3. QUESTÃO DOS UNIVERSAIS NA IDADE
MÉDIA
1. Introdução
O problema vinculado à
linguagem durante a Idade Média pode-se resumir na discussão medieval dos
universais. A principal questão em torno da linguagem será a esse debate. Formaram-se
duas correntes: realismo e nominalismo. O ponto de partida do debate foi a obra
Comentários à Isagogé de Porfírio por
Boécio.
2.
Porfírio
de Tiro: primeiros questionamentos
Seus comentários às
Categorias de Aristóteles suscitarão o debate sobre os universais em toda a
Idade Média. A sua obra foi comentada Isagoge foi comentada por Boécio, pondo
em debate o problema da linguagem: Nomes x coisas.
Na Isagoge, Porfírio
apresenta uma síntese didática das categorias de Aristóteles. A análise dessas
categorias levou ao problema da relação entre nomes e coisas. Porfírio
questiona:
Antes de mais,
no que tange aos gêneros e às espécies, acerca da questão de saber (1) se são
realidades subsistentes em si mesmas ou se consistem apenas em simples
conceitos mentais, (2) ou, admitindo que sejam realidades subsistentes, se são
corpóreas ou incorpóreas, e, (3) neste último caso, se são separadas ou se
existem nas coisas sensíveis e dependem delas (PORFÍRIO apud SANTOS, 2011, p.
17).
O problema dos
universais girou em torno das duas posturas: 1) os universais são entes reais;
(?) 2) são apenas nomes e noções do intelecto. (?) Boécio será o primeiro no
contexto medieval a retormar esse assunto e abrir uma longa discussão. Porfírio de Tiro propõe o problema na Isagogé; os gêneros e as espécies são
realidades ou concepções do intelecto? Os termos gerais “homem” e “cavalo”
possuem um status ontológico?
3.
Severino
Boécio: abertura do debate na Idade Média
Na
obra Comentários a Isagogé de Porfírio,
ele ensaia uma solução para os universais. Boécio (480-527) não vacila a
responder que os universais são entes reais.
Eles são incorpóreos visto que são predicáveis a vários objetos.
São
argumentos contra os universais: Uma coisa que está presente em muitas outras
não pode ser a mesma coisa. Se os gêneros e as espécies existissem, eles não
formariam uma só coisa. São argumentos a favor dos universais: A intelecção não
depende somente da representação da mente, mas também da natureza das coisas.
Outra
questão: se eles estão fora das coisas (ante rem) ou dentro das coisas (in re)?
Segundo Boécio, realmente existentes são os objetos concretos, nos quais estão
contidos os universais. Os universais são inseparáveis dos objetos. A mente os
separa por abstração. Os universais são essências reais imanentes aos objetos
concretos. Depois de uma versão aristotélica, Boécio assume também uma posição
platônica, ao considerar os universais como ideias de Deus.
Severino Boécio
tenta resolver o problema proposto por Porfírio; Boécio deu uma resposta
platônica e aristotélica para o problema; a capacidade de compor e de decompor
os dados faz encontrar gêneros e espécies.
4.
Século
XI: debate entre nominalistas e realistas
Segundo Pedro Abelardo,
se houvesse realmente uma substância humana, então, ela deveria estar
inteiramente em Sócrates e em Platão. Logo, eles seriam idênticos.
O nominalismo extremo reconhece
apenas o indivíduo, a coisa concreta. Os universais são apenas nomes. Segundo
Abelardo, os termos gerais não podem ser coisas (res), porque a sua função
lógica é serem predicados da proposição. Abelardo assume o nominalismo como
conceitualismo.
Para Abelardo, os
universais não são simplesmente nomes, são noções. Essas noções são conteúdo do
pensamento e possuem significados lógicos. Seus dois mestres assumiam posições
extremamente opostas. Ele teve de contrariar os dois.
Roscelino
de Compiègne assumiu o nominalismo chamado de
verbalismo. Na verdade, não existe humanidade, apenas indivíduos humanos. Os
universais não são coisas, são apenas palavras (voces).
Guilherme
de Champeaux (1070-1121) assumiu o realismo extremo.
Os universais são uma coisa idêntica na diversidade das coisas. Ele propunha a
teoria da essência material (TEM). O universal estava todo, simultaneamente, em
todos os particulares. A diversidade ocorreria por causa dos muitos acidentes.
Abelardo não aceita
essa explicação porque isso envolve admitir que a essência comum reveste os contrários e compromete a existência da
multiplicidade de seres e de coisas. Após um debate entre Abelardo e seu
mestre, Guilherme modificou sua teoria, formulando a teoria da não-diferença
(TND). Segundo a qual, “o universal é uma res não essencialmente, mas só
indiferentemente idêntica nos vários indivíduos”.[1]
Enfim,
Pedro Abelardo opta pelo nominalismo ao entender que o universal não é uma
coisa real; ele é somente um nome; a universalidade não pode ser atribuída às
coisas, somente às palavras. Vários indivíduos que compartilham o mesmo
universal possuem o mesmo status.
5.
A
vez de Guilherme de Ockham: nominalismo extremo
Guilherme de Ockham
(1287-1347) pode ser considerado um nominalista porque considerava que os
universais não tinham existência real. Os universais são criações mentais com a
função de significar, de constituir proposições. O termo geral “cavalo” não
designa nenhuma entidade, apenas nomeia o conjunto dos cavalos. Os gêneros e as
espécies não existem por si mesmo. A sua metodologia que ficou conhecida como
navalha de Ockham procura simplificar o modo de se referir às coisas para não
criar entidades desnecessárias.[2]
O nominalismo de Ockham
pode ser classificado também como um conceitualismo visto que considera que os
universais são entidades mentais. Ele desenvolve uma teoria do significado na
obra Summa Totius Logicae de 1324.
O conceito é produzido
de modo natural. Mas a sua expressão por meio de fonemas é uma convenção. O
signo significa aquilo que nos faz conhecer as coisas ou que traz algo ao
conhecimento.[3]
As proposições usam
termos que substituem os objetos:
Suppositio
materialis – quando o termo significa a palavra que o
constitui. Por exemplo: "homem é uma palavra".
Suppositio
personalis – nesse caso, o termo exerce a função de significar
coisas reais. Por exemplo: "o homem canta". O termo
"homem", nesse caso, designa uma pessoa individual.
Suppositio
simplex: o termo significa algo comum. Por exemplo: "o
homem é uma espécie". Aqui, o "homem“ não significa um indivíduo, mas
uma comunidade (p. 78).
Resumindo, Guilherme de
Ockham também defende o nominalismo – só existem coisas individuais,
singulares; os universais são conceitos sem status ontológico. Os universais
são “intenções ou conceitos formados pelo intelecto”. Teoria da suposição: o
conceito é o signo mental que remete às coisas existentes na realidade. Há suposição
material (é a própria palavra), suposição pessoal (indivíduos reais) e
suposição simples (sentido coletivo).
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