Social Icons

sábado, 22 de maio de 2021

A linguagem para os filósofos medievais

3. QUESTÃO DOS UNIVERSAIS NA IDADE MÉDIA

 

1.    Introdução

 

O problema vinculado à linguagem durante a Idade Média pode-se resumir na discussão medieval dos universais. A principal questão em torno da linguagem será a esse debate. Formaram-se duas correntes: realismo e nominalismo. O ponto de partida do debate foi a obra Comentários à Isagogé de Porfírio por Boécio.

 

2.    Porfírio de Tiro: primeiros questionamentos

 

Seus comentários às Categorias de Aristóteles suscitarão o debate sobre os universais em toda a Idade Média. A sua obra foi comentada Isagoge foi comentada por Boécio, pondo em debate o problema da linguagem: Nomes x coisas.

Na Isagoge, Porfírio apresenta uma síntese didática das categorias de Aristóteles. A análise dessas categorias levou ao problema da relação entre nomes e coisas. Porfírio questiona:

Antes de mais, no que tange aos gêneros e às espécies, acerca da questão de saber (1) se são realidades subsistentes em si mesmas ou se consistem apenas em simples conceitos mentais, (2) ou, admitindo que sejam realidades subsistentes, se são corpóreas ou incorpóreas, e, (3) neste último caso, se são separadas ou se existem nas coisas sensíveis e dependem delas (PORFÍRIO apud SANTOS, 2011, p. 17).

 

O problema dos universais girou em torno das duas posturas: 1) os universais são entes reais; (?) 2) são apenas nomes e noções do intelecto. (?) Boécio será o primeiro no contexto medieval a retormar esse assunto e abrir uma longa discussão. Porfírio de Tiro propõe o problema na Isagogé; os gêneros e as espécies são realidades ou concepções do intelecto? Os termos gerais “homem” e “cavalo” possuem um status ontológico?

 

3.    Severino Boécio: abertura do debate na Idade Média

 

 

Na obra Comentários a Isagogé de Porfírio, ele ensaia uma solução para os universais. Boécio (480-527) não vacila a responder que os universais são entes reais.  Eles são incorpóreos visto que são predicáveis a vários objetos.

São argumentos contra os universais: Uma coisa que está presente em muitas outras não pode ser a mesma coisa. Se os gêneros e as espécies existissem, eles não formariam uma só coisa. São argumentos a favor dos universais: A intelecção não depende somente da representação da mente, mas também da natureza das coisas.

Outra questão: se eles estão fora das coisas (ante rem) ou dentro das coisas (in re)? Segundo Boécio, realmente existentes são os objetos concretos, nos quais estão contidos os universais. Os universais são inseparáveis dos objetos. A mente os separa por abstração. Os universais são essências reais imanentes aos objetos concretos. Depois de uma versão aristotélica, Boécio assume também uma posição platônica, ao considerar os universais como ideias de Deus.

     Severino Boécio tenta resolver o problema proposto por Porfírio; Boécio deu uma resposta platônica e aristotélica para o problema; a capacidade de compor e de decompor os dados faz encontrar gêneros e espécies.

 

4.    Século XI: debate entre nominalistas e realistas

 

Segundo Pedro Abelardo, se houvesse realmente uma substância humana, então, ela deveria estar inteiramente em Sócrates e em Platão. Logo, eles seriam idênticos.

O nominalismo extremo reconhece apenas o indivíduo, a coisa concreta. Os universais são apenas nomes. Segundo Abelardo, os termos gerais não podem ser coisas (res), porque a sua função lógica é serem predicados da proposição. Abelardo assume o nominalismo como conceitualismo.

Para Abelardo, os universais não são simplesmente nomes, são noções. Essas noções são conteúdo do pensamento e possuem significados lógicos. Seus dois mestres assumiam posições extremamente opostas. Ele teve de contrariar os dois.

Roscelino de Compiègne assumiu o nominalismo chamado de verbalismo. Na verdade, não existe humanidade, apenas indivíduos humanos. Os universais não são coisas, são apenas palavras (voces).

Guilherme de Champeaux (1070-1121) assumiu o realismo extremo. Os universais são uma coisa idêntica na diversidade das coisas. Ele propunha a teoria da essência material (TEM). O universal estava todo, simultaneamente, em todos os particulares. A diversidade ocorreria por causa dos muitos acidentes.

Abelardo não aceita essa explicação porque isso envolve admitir que a essência comum reveste  os contrários e compromete a existência da multiplicidade de seres e de coisas. Após um debate entre Abelardo e seu mestre, Guilherme modificou sua teoria, formulando a teoria da não-diferença (TND). Segundo a qual, “o universal é uma res não essencialmente, mas só indiferentemente idêntica nos vários indivíduos”.[1]

     Enfim, Pedro Abelardo opta pelo nominalismo ao entender que o universal não é uma coisa real; ele é somente um nome; a universalidade não pode ser atribuída às coisas, somente às palavras. Vários indivíduos que compartilham o mesmo universal possuem o mesmo status.

 

5.    A vez de Guilherme de Ockham: nominalismo extremo

 

Guilherme de Ockham (1287-1347) pode ser considerado um nominalista porque considerava que os universais não tinham existência real. Os universais são criações mentais com a função de significar, de constituir proposições. O termo geral “cavalo” não designa nenhuma entidade, apenas nomeia o conjunto dos cavalos. Os gêneros e as espécies não existem por si mesmo. A sua metodologia que ficou conhecida como navalha de Ockham procura simplificar o modo de se referir às coisas para não criar entidades desnecessárias.[2]

O nominalismo de Ockham pode ser classificado também como um conceitualismo visto que considera que os universais são entidades mentais. Ele desenvolve uma teoria do significado na obra Summa Totius Logicae de 1324.

O conceito é produzido de modo natural. Mas a sua expressão por meio de fonemas é uma convenção. O signo significa aquilo que nos faz conhecer as coisas ou que traz algo ao conhecimento.[3]

As proposições usam termos que substituem os objetos:

Suppositio materialis – quando o termo significa a palavra que o constitui. Por exemplo: "homem é uma palavra".

Suppositio personalis – nesse caso, o termo exerce a função de significar coisas reais. Por exemplo: "o homem canta". O termo "homem", nesse caso, designa uma pessoa individual.

Suppositio simplex: o termo significa algo comum. Por exemplo: "o homem é uma espécie". Aqui, o "homem“ não significa um indivíduo, mas uma comunidade (p. 78).

     Resumindo, Guilherme de Ockham também defende o nominalismo – só existem coisas individuais, singulares; os universais são conceitos sem status ontológico. Os universais são “intenções ou conceitos formados pelo intelecto”. Teoria da suposição: o conceito é o signo mental que remete às coisas existentes na realidade. Há suposição material (é a própria palavra), suposição pessoal (indivíduos reais) e suposição simples (sentido coletivo).



[1] P. 36.

[2] MARCONDES, Danilo. Textos básicos de Filosofia da Linguagem: de Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 33.

[3] MARCONDES, 2010, p. 34.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

 

FACEBOOK

FACEBOOK
Acesse a página.

LEITURA RECOMENDADA

LEITURA RECOMENDADA
Romance da História da Filosofia