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segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Epistemologia


UMA EPISTEMOLOGIA DAS CRENÇAS COLETIVAS: VERDADE E APARÊNCIA NAS POSTAGENS EM REDES SOCIAIS

José Aristides da Silva Gamito[1]

1. A situação das postagens com conteúdos políticos

Os julgamentos das ações humanas são empreitadas que comportam riscos. Principalmente, quando se trata de questões coletivas. As redes sociais trouxeram à tona uma discussão de suma importância. Ela diz respeito sobre como podemos julgar uma situação estando distante das ocorrências. Considerando este debate ao extremo, podemos perguntar se as redes sociais são mídias confiáveis para serem tomadas como “fontes” de notícias. Ou se podemos formar juízos confiáveis a partir delas. Dentre muitos aspectos que podem ser abordados sobre esta questão, quero levantar uma breve discussão sobre os juízos políticos.
As postagens em redes sociais, intimamente chamadas de posts, são gêneros textuais concisos, às vezes, aparecem na forma indireta de compartilhamentos de informações de terceiros. Como são breves, dependem de uma mensagem bem clara e objetiva visto que ninguém consegue dizer tudo com um número reduzido de palavras. Muitas vezes, as pessoas não usam suas palavras, mas adotam frases de terceiros, ou utilizam links de textos de terceiros também para transmitir algum posicionamento.
Até neste ponto, não há problemas porque a natureza funcional das redes sociais é esta. Trata-se de uma comunicação rápida, concisa.  Porém, a questão torna-se muito complexa quando os usuários da internet começam a formar juízos a partir de uma ou de uma sequência de postagens. As recentes e famigeradas fakenews ganham força quando as pessoas, dentro deste emaranhado de informações, tomam as informações que chegam até elas como verdade. Mas estas informações foram replicadas muitas vezes, acriticamente, até chegar a determinado receptor que faz delas uma verdade. Nestas situações, pouco se pergunta sobre as condições que geraram a informação. Quem é o fiador daquela verdade? Elas foram geradas com quais intenções? Como foi obtida a informação?
Outro ponto que quero levantar é sobre a reação dos internautas sobre o perigo das fakenews. Estou vislumbrando estas reações no campo político. As pessoas passaram a utilizar a classificação de fakenews para esvaziar o discurso do oponente. Muitos já consideram, de antemão, que tudo que os simpatizantes do partido ou do político X postar no facebook ou no twitter é falso. Mas, pelo contrário, tudo que eles postam sobre o partido Y é verdadeiro. Em todas as etapas da veiculação de notícias nas redes sociais, faz-se necessária uma capacidade crítica que vença até mesmo as armadilhas das paixões partidárias. Se alguém passa a considerar que tudo que o outro disser é inválido, portanto, não há comunicação. Isso invalida a função de uma rede social, por exemplo.
Os juízos políticos veiculados em redes sociais são emitidos dentro de uma situação comunicativa conflituosa. Dentro da atual polarização política brasileira, os internautas adotaram uma “leitura da suspeita”.  A suspeita metódica é uma ferramenta válida para analisar conteúdos ideológicos, porém, quando a suspeita já se converte em juízo, há um embaraço para o conhecimento. As generalizações a partir de títulos de matérias sem a leitura completa das notícias é uma prática muito comum. Quando a suspeita sobre a comunicação do outro não envolve a suspeita sobre mim mesmo,  este procedimento é extremamente desfavorável. Portanto, a suspeita metódica é válida, mas a suspeita que se converte em conclusão, em sentença, é um obstáculo.

2. Os limites dos juízos sobre ações coletivas

Para ilustrar a dificuldade dos julgamentos de situações à distância e que envolvem juízos sobre ações de terceiros, vamos a um causo.

A vizinhança do bairro Mirandão viveu uma situação inusitada na manhã de um domingo. Joaquim entrou correndo para a sua garagem. Os vizinhos da direita, que ouviram ele discutir na véspera com sua esposa, concluíram: “Joaquim vai matar a sua mulher”. O vizinho da esquerda que estava vindo do bar, e o viu conversando com um rapaz, comentou com a mulher: “Joaquim bateu na cara de um moço na esquina e foi buscar uma arma”. Porém, depois de alguns minutos, Joaquim chega na cozinha todo suado e diz para a sua esposa: “Teresa, eu encontrei meu amigo de infância, o Zezinho na esquina, dei um abraço apertado nele, sacudi-o, falando, ‘cara, por que você some? Quanto tempo?’. Mas não tive o prazer de terminar a conversa, tive de vir correndo procurar um banheiro. Bateu uma dor de barriga forte!”.

Neste caso, dois grupos de pessoas interpretaram a ação de Joaquim a partir das informações que tinham. Quando julgamos determinadas ações a partir de suspeitas apressadas tendemos a tomar qualquer indício favorável à nossa tese como conclusivo. É, justamente, este tipo de interferência emotiva no juízo que leva os internautas a generalizar, formar preconceitos e rotular seus opositores políticos. A formação do juízo não depende exclusivamente da razão, as emoções participam conjuntamente. Mas, quando não se tem um critério claro no julgamento, as pessoas acabam odiando as outras porque estão convictas de que elas estão erradas e são “comparsas do mal”.  Mas cada um só tem conhecimento de uma parte do todo. Isso pode ir longe! Ainda mais quando se coloca uma boa dose de teoria conspiratória.
Estas situações que ocorrem na informalidade, podem do mesmo modo afetar as decisões maiores como o funcionamento das instituições. Na situação específica do embate ideológico bolsonarista-lulista, podemos verificar nas redes sociais como as análises de “suspeitas” obnubilam a razão e os critérios objetivos das pessoas. Elas acabam por perder boas oportunidades de contribuir para a melhoria da política porque trabalham em mão única: só veem os acertos de seu lado e os erros do outro lado.  Sempre quando eu disser isso, pense no vice-versa. Parece ser vergonhoso fazer a autocrítica, é como dar pontos para o inimigo. No fundo esta radicalização comunicativa, torna a comunicação bloqueada, o conhecimento parcial e a verdade inatingível.

3. Considerações finais

            As redes sociais tornaram-se um campo fértil para a pesquisa sobre as crenças coletivas. Principalmente, de como elas afirmadas e sua relação com a verdade. Enquanto, muitos estão perdidos no partidarismo e não podem dar conta dessas características porque precisam derrotar o opositor, estas oportunidades são boas para o pesquisador da epistemologia entender como funcionam estas crenças coletivas dentro do espaço das redes sociais. Fica por aqui apenas uma provocação inicial.


[1] Mestre em Ciências das Religiões (linha de pesquisa: Análise do Discurso), filósofo e professor de Teoria do Conhecimento.

 

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