UMA
EPISTEMOLOGIA DAS CRENÇAS COLETIVAS: VERDADE E APARÊNCIA NAS POSTAGENS EM REDES
SOCIAIS
José
Aristides da Silva Gamito[1]
1.
A situação das postagens com conteúdos políticos
Os julgamentos das
ações humanas são empreitadas que comportam riscos. Principalmente, quando se
trata de questões coletivas. As redes sociais trouxeram à tona uma discussão de
suma importância. Ela diz respeito sobre como podemos julgar uma situação
estando distante das ocorrências. Considerando este debate ao extremo, podemos
perguntar se as redes sociais são mídias confiáveis para serem tomadas como “fontes”
de notícias. Ou se podemos formar juízos confiáveis a partir delas. Dentre
muitos aspectos que podem ser abordados sobre esta questão, quero levantar uma
breve discussão sobre os juízos políticos.
As postagens em redes
sociais, intimamente chamadas de posts,
são gêneros textuais concisos, às vezes, aparecem na forma indireta de
compartilhamentos de informações de terceiros. Como são breves, dependem de uma
mensagem bem clara e objetiva visto que ninguém consegue dizer tudo com um
número reduzido de palavras. Muitas vezes, as pessoas não usam suas palavras,
mas adotam frases de terceiros, ou utilizam links
de textos de terceiros também para transmitir algum posicionamento.
Até neste ponto, não há
problemas porque a natureza funcional das redes sociais é esta. Trata-se de uma
comunicação rápida, concisa. Porém, a
questão torna-se muito complexa quando os usuários da internet começam a formar
juízos a partir de uma ou de uma sequência de postagens. As recentes e
famigeradas fakenews ganham força
quando as pessoas, dentro deste emaranhado de informações, tomam as informações
que chegam até elas como verdade. Mas estas informações foram replicadas muitas
vezes, acriticamente, até chegar a determinado receptor que faz delas uma verdade.
Nestas situações, pouco se pergunta sobre as condições que geraram a
informação. Quem é o fiador daquela verdade? Elas foram geradas com quais
intenções? Como foi obtida a informação?
Outro ponto que quero
levantar é sobre a reação dos internautas sobre o perigo das fakenews. Estou vislumbrando estas
reações no campo político. As pessoas passaram a utilizar a classificação de fakenews para esvaziar o discurso do
oponente. Muitos já consideram, de antemão, que tudo que os simpatizantes do
partido ou do político X postar no facebook ou no twitter é falso. Mas, pelo
contrário, tudo que eles postam sobre o partido Y é verdadeiro. Em todas as
etapas da veiculação de notícias nas redes sociais, faz-se necessária uma
capacidade crítica que vença até mesmo as armadilhas das paixões partidárias.
Se alguém passa a considerar que tudo que o outro disser é inválido, portanto,
não há comunicação. Isso invalida a função de uma rede social, por exemplo.
Os juízos políticos
veiculados em redes sociais são emitidos dentro de uma situação comunicativa
conflituosa. Dentro da atual polarização política brasileira, os internautas
adotaram uma “leitura da suspeita”. A
suspeita metódica é uma ferramenta válida para analisar conteúdos ideológicos,
porém, quando a suspeita já se converte em juízo, há um embaraço para o
conhecimento. As generalizações a partir de títulos de matérias sem a leitura
completa das notícias é uma prática muito comum. Quando a suspeita sobre a
comunicação do outro não envolve a suspeita sobre mim mesmo, este procedimento é extremamente desfavorável.
Portanto, a suspeita metódica é válida, mas a suspeita que se converte em
conclusão, em sentença, é um obstáculo.
2.
Os limites dos juízos sobre ações coletivas
Para ilustrar a
dificuldade dos julgamentos de situações à distância e que envolvem juízos
sobre ações de terceiros, vamos a um causo.
A vizinhança do bairro
Mirandão viveu uma situação inusitada na manhã de um domingo. Joaquim entrou
correndo para a sua garagem. Os vizinhos da direita, que ouviram ele discutir
na véspera com sua esposa, concluíram: “Joaquim vai matar a sua mulher”. O vizinho
da esquerda que estava vindo do bar, e o viu conversando com um rapaz, comentou
com a mulher: “Joaquim bateu na cara de um moço na esquina e foi buscar uma
arma”. Porém, depois de alguns minutos, Joaquim chega na cozinha todo suado e
diz para a sua esposa: “Teresa, eu encontrei meu amigo de infância, o Zezinho
na esquina, dei um abraço apertado nele, sacudi-o, falando, ‘cara, por que você
some? Quanto tempo?’. Mas não tive o prazer de terminar a conversa, tive de vir
correndo procurar um banheiro. Bateu uma dor de barriga forte!”.
Neste caso, dois grupos
de pessoas interpretaram a ação de Joaquim a partir das informações que tinham.
Quando julgamos determinadas ações a partir de suspeitas apressadas tendemos a
tomar qualquer indício favorável à nossa tese como conclusivo. É, justamente,
este tipo de interferência emotiva no juízo que leva os internautas a
generalizar, formar preconceitos e rotular seus opositores políticos. A formação
do juízo não depende exclusivamente da razão, as emoções participam
conjuntamente. Mas, quando não se tem um critério claro no julgamento, as
pessoas acabam odiando as outras porque estão convictas de que elas estão
erradas e são “comparsas do mal”. Mas
cada um só tem conhecimento de uma parte do todo. Isso pode ir longe! Ainda
mais quando se coloca uma boa dose de teoria conspiratória.
Estas situações que
ocorrem na informalidade, podem do mesmo modo afetar as decisões maiores como o
funcionamento das instituições. Na situação específica do embate ideológico
bolsonarista-lulista, podemos verificar nas redes sociais como as análises de
“suspeitas” obnubilam a razão e os critérios objetivos das pessoas. Elas acabam
por perder boas oportunidades de contribuir para a melhoria da política porque
trabalham em mão única: só veem os acertos de seu lado e os erros do outro
lado. Sempre quando eu disser isso,
pense no vice-versa. Parece ser vergonhoso fazer a autocrítica, é como dar
pontos para o inimigo. No fundo esta radicalização comunicativa, torna a
comunicação bloqueada, o conhecimento parcial e a verdade inatingível.
3.
Considerações finais
As
redes sociais tornaram-se um campo fértil para a pesquisa sobre as crenças
coletivas. Principalmente, de como elas afirmadas e sua relação com a verdade.
Enquanto, muitos estão perdidos no partidarismo e não podem dar conta dessas
características porque precisam derrotar o opositor, estas oportunidades são
boas para o pesquisador da epistemologia entender como funcionam estas crenças
coletivas dentro do espaço das redes sociais. Fica por aqui apenas uma
provocação inicial.
[1]
Mestre em Ciências das
Religiões (linha de pesquisa: Análise do Discurso), filósofo e professor de
Teoria do Conhecimento.
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