A
FILOSOFIA DA MORTE:
A
REFLEXÃO NECESSÁRIA SOBRE O SENTIDO DA MORTE
Prof. Me. José
Aristides da Silva Gamito
Professor no SDNSR
Professor no SDNSR
1. Introdução
A discussão filosófica
envolve uma infinidade de assuntos, aliás, envolve tudo que diz respeito à vida
do homem. A morte como tema filosófico apesar de pouco difundida, é uma
discussão que não pode escapar ao trabalho do filósofo. Tudo que nós fazemos, o
sentido que damos à nossa existência, tudo tem uma conexão com a relação
morte/vida. Portanto, uma filosofia sobre a morte é necessária.
O desafio de se estudar
a morte como tema filosófico é a natureza deste fenômeno. Uma filosofia da
morte seria quase impossível visto que ninguém pode descrever a morte enquanto
experiência. Quando experimentamos a morte, já não mais somos. Podemos falar
apenas da morte dos outros, da possibilidade da nossa morte e como isso no
afeta e determina o modo como vivemos. Portanto, mais do que uma filosofia da
morte, podemos fazer uma filosofia sobre a morte.
2. Questionamentos filosóficos sobre a
morte
A morte é um
acontecimento que foge à nossa tentativa de prendê-lo e de descrevê-lo. Por ser
um objeto do estudo que não é apreensível, só podemos falar de uma filosofia
sobre a morte e não da morte, como dissemos.
Para começo de conversa, a crença de cada pessoa definirá como ela
entende a morte. A morte pode ser considerada o fim ou por ser entendida como
transição para um novo estágio de vida. Mesmo com estas compreensões mais
consoladoras, todos temem a morte, se angustiam por causa desta possibilidade e
sofrem com a perda dos entes queridos.
Nós podemos apenas
filosofar sobre a morte sempre tomando-a como possibilidade. Pois é uma
experiência única que não dá a possibilidade para o filósofo de descrever ou de
relatar suas impressões após o fato. Então, falamos sobre a morte dos outros.
Nós assistimos a morte dos outros. O ser humano sofre com a possibilidade de
sua morte, mas a morte do outro lhe causa muito mais sofrimento.
Segundo Epicuro, não
devemos temer a morte porque ela não existe. Em outros termos, ela vive um jogo
de esconde-esconde com o homem: “A morte não é nada para nós, pois, quando
existimos, não existe a morte, e quando existe a morte, não existe mais”. Encontramos uma primeira característica do
objeto de nosso filosofar: A impossibilidade de simultaneidade entre morte e
homem. Epicuro toma este princípio para argumentar que não devemos temer a morte,
enquanto vivemos devemos buscar o prazer. O hedonismo é a resposta para uma
existência finita e incerta.
A consideração mais
sábia diante da iminência da morte parece estar sintetizada na ode de Horácio: “Dum loquimur fugerit invida aetas: carpe
diem, quam minimum credula postero”(Ode 1, 11,8), cuja tradução livre é “enquanto
falamos, já terá fugido o invejoso tempo: colhe o dia que passa, confiando
menos no de amanhã”. É um modo prudente de considerar a possibilidade da morte,
enquanto, tudo não passa, cabe-nos aproveitar o máximo do momento que existe.
Não podemos utilizar este princípio como se não existissem consequências éticas
para os nossos atos. Mas para relembrar a nossa mortalidade e urgência em
aproveitar o tempo, ele é muito valioso.
3. O sentido da vida e o problema da
imortalidade
O pós-morte é um
desafio que tem várias respostas e nenhuma certeza. As certezas que existem não
são de fundo lógico-demonstrativo, apenas questão de fé. Muitos acreditam que a alma morre com o
corpo, outros que ela não morre e até possui a chance de voltar a viver
(reencarnação). O cristianismo, por exemplo, crê na ressurreição do corpo. Uns
acreditam na ressurreição imediata e outros que ela acontecerá no “último dia”.
A discussão sobre a
imortalidade gerou o dualismo. A herança da antiguidade grega que povoou toda a
história do ocidente é que o homem é dividido em corpo e alma. Durante muito tempo,
e ainda existe esta concepção, o pós-morte tinha aspecto de realidade maior que
a vida presente. Tudo que se fazia era visando a vida pós-morte. O extremismo
desta mentalidade foi o desprezo do corpo, da vida presente, em favor da vida
além-túmulo. Ou seja, a morte possui uma
força que determina o sentido da vida. Ao contrário pouco nós vemos: A vida
determinando o sentido da morte. No fundo, temos de dificuldade de aceitar a
nossa condição de mortalidade.
Portanto, podemos
colocar duas teses principais na relação entre a religião e o fenômeno da
morte. A morte pode representar uma força
centrípeta para a qual as ações humanas são empurradas para serem
justificadas moralmente. Como, por exemplo, alguém faz o bem porque teme ir
para o inferno. A segunda consideração é que a morte é uma força centrífuga. Isto significa que todas as ações humanas devem
ser no sentido de ampliar, de engrandecer a vida. A morte continua sendo uma
certeza inevitável, mas nenhum sentido da vida pode depender dela, ou ser
projeto para além dela. Fora alguns movimentos materialistas, a história
ocidental sempre foi formatada por ideias da morte como força centrípeta. Principalmente,
com a herança dos monoteísmos e da justificação de todo o sentido da vida moral
com conceitos transcendentais.
A noção de progresso
contínuo, de história como um drama universal no qual o mal será derrotado no
final, tudo representa a tese da morte como força centrífuga. Tudo se arrasta
para a morte como um centro de forças onde a história será resolvida. O indivíduo
passa a considerar os seus desejos e os seus projetos como parte de um sistema
maior que transcende a sua morte. Como a realização do sentido da história
residisse sempre no além-morte. A visão como força centrífuga, ao contrário,
põe a vida no tempo presente e preserva tudo que representa a vontade de poder,
de aumentar a vida (a posição de Nietzsche encaixa por aí).
Porém, a consideração
desses sistemas de valores e de ideias de morte como força centrípeta consola
os fracassos e as impossibilidades do indivíduo buscar o sentido da vida e sua
realização pessoal. A mais crua realidade é que só podemos decidir nossa vida
durante a vida. A transferência da decisão de sermos nós mesmos para o
além-morte é um salto no abismo. O problema é que nem temos certeza nesta
escuridão toda do abismo de que existem “abismo” e “escuridão”. No fundo pode
ser uma inversão cruel toda narrativa de morte como força centrífuga.
4.
Considerações
finais
A morte é o objeto filosófico mais
estranho. Pois todas as discussões que sejam realizadas são sempre sobre a vida
em relação morte, ou seja, sobre a realidade em relação ao nada. Mas como a nossa
cultura deposita um forte valor semântico para a morte como portal para outra
vida, as reflexões se ampliam muito. Outra motivação de se filosofar sobre a
morte é considerar a brevidade da vida assim como a iminência da morte como motivação
para as nossas ações. É uma condição da qual não podemos fugir. É um tema que
merece considerações mais sistematizadas. Esta apenas uma contribuição
incipiente.
Referências
SAMOS, Epicuro de. Carta sobre a Felicidade. Tradução e
apresentação de Álvaro Lorencini e de Enzo Del Carratore. São Paulo: UNESP,
2002.
HORÁCIO. Odes.
Ode a Leucónoe. Livro I, 11.
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