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quarta-feira, 1 de maio de 2019

Filosofia e morte


A FILOSOFIA DA MORTE:
A REFLEXÃO NECESSÁRIA SOBRE O SENTIDO DA MORTE

Prof. Me. José Aristides da Silva Gamito
Professor no SDNSR

1.    Introdução

A discussão filosófica envolve uma infinidade de assuntos, aliás, envolve tudo que diz respeito à vida do homem. A morte como tema filosófico apesar de pouco difundida, é uma discussão que não pode escapar ao trabalho do filósofo. Tudo que nós fazemos, o sentido que damos à nossa existência, tudo tem uma conexão com a relação morte/vida. Portanto, uma filosofia sobre a morte é necessária.
O desafio de se estudar a morte como tema filosófico é a natureza deste fenômeno. Uma filosofia da morte seria quase impossível visto que ninguém pode descrever a morte enquanto experiência. Quando experimentamos a morte, já não mais somos. Podemos falar apenas da morte dos outros, da possibilidade da nossa morte e como isso no afeta e determina o modo como vivemos. Portanto, mais do que uma filosofia da morte, podemos fazer uma filosofia sobre a morte.

2.    Questionamentos filosóficos sobre a morte

A morte é um acontecimento que foge à nossa tentativa de prendê-lo e de descrevê-lo. Por ser um objeto do estudo que não é apreensível, só podemos falar de uma filosofia sobre a morte e não da morte, como dissemos.  Para começo de conversa, a crença de cada pessoa definirá como ela entende a morte. A morte pode ser considerada o fim ou por ser entendida como transição para um novo estágio de vida. Mesmo com estas compreensões mais consoladoras, todos temem a morte, se angustiam por causa desta possibilidade e sofrem com a perda dos entes queridos.
Nós podemos apenas filosofar sobre a morte sempre tomando-a como possibilidade. Pois é uma experiência única que não dá a possibilidade para o filósofo de descrever ou de relatar suas impressões após o fato. Então, falamos sobre a morte dos outros. Nós assistimos a morte dos outros. O ser humano sofre com a possibilidade de sua morte, mas a morte do outro lhe causa muito mais sofrimento.
Segundo Epicuro, não devemos temer a morte porque ela não existe. Em outros termos, ela vive um jogo de esconde-esconde com o homem: “A morte não é nada para nós, pois, quando existimos, não existe a morte, e quando existe a morte, não existe mais”.  Encontramos uma primeira característica do objeto de nosso filosofar: A impossibilidade de simultaneidade entre morte e homem. Epicuro toma este princípio para argumentar que não devemos temer a morte, enquanto vivemos devemos buscar o prazer. O hedonismo é a resposta para uma existência finita e incerta.
A consideração mais sábia diante da iminência da morte parece estar sintetizada na ode de Horácio: “Dum loquimur fugerit invida aetas: carpe diem, quam minimum credula postero”(Ode 1, 11,8), cuja tradução livre é “enquanto falamos, já terá fugido o invejoso tempo: colhe o dia que passa, confiando menos no de amanhã”. É um modo prudente de considerar a possibilidade da morte, enquanto, tudo não passa, cabe-nos aproveitar o máximo do momento que existe. Não podemos utilizar este princípio como se não existissem consequências éticas para os nossos atos. Mas para relembrar a nossa mortalidade e urgência em aproveitar o tempo, ele é muito valioso.

3.    O sentido da vida e o problema da imortalidade

O pós-morte é um desafio que tem várias respostas e nenhuma certeza. As certezas que existem não são de fundo lógico-demonstrativo, apenas questão de fé.   Muitos acreditam que a alma morre com o corpo, outros que ela não morre e até possui a chance de voltar a viver (reencarnação). O cristianismo, por exemplo, crê na ressurreição do corpo. Uns acreditam na ressurreição imediata e outros que ela acontecerá no “último dia”.
A discussão sobre a imortalidade gerou o dualismo. A herança da antiguidade grega que povoou toda a história do ocidente é que o homem é dividido em corpo e alma. Durante muito tempo, e ainda existe esta concepção, o pós-morte tinha aspecto de realidade maior que a vida presente. Tudo que se fazia era visando a vida pós-morte. O extremismo desta mentalidade foi o desprezo do corpo, da vida presente, em favor da vida além-túmulo.  Ou seja, a morte possui uma força que determina o sentido da vida. Ao contrário pouco nós vemos: A vida determinando o sentido da morte. No fundo, temos de dificuldade de aceitar a nossa condição de mortalidade.
Portanto, podemos colocar duas teses principais na relação entre a religião e o fenômeno da morte. A morte pode representar uma força centrípeta para a qual as ações humanas são empurradas para serem justificadas moralmente. Como, por exemplo, alguém faz o bem porque teme ir para o inferno. A segunda consideração é que a morte é uma força centrífuga. Isto significa que todas as ações humanas devem ser no sentido de ampliar, de engrandecer a vida. A morte continua sendo uma certeza inevitável, mas nenhum sentido da vida pode depender dela, ou ser projeto para além dela. Fora alguns movimentos materialistas, a história ocidental sempre foi formatada por ideias da morte como força centrípeta. Principalmente, com a herança dos monoteísmos e da justificação de todo o sentido da vida moral com conceitos transcendentais.
A noção de progresso contínuo, de história como um drama universal no qual o mal será derrotado no final, tudo representa a tese da morte como força centrífuga. Tudo se arrasta para a morte como um centro de forças onde a história será resolvida. O indivíduo passa a considerar os seus desejos e os seus projetos como parte de um sistema maior que transcende a sua morte. Como a realização do sentido da história residisse sempre no além-morte. A visão como força centrífuga, ao contrário, põe a vida no tempo presente e preserva tudo que representa a vontade de poder, de aumentar a vida (a posição de Nietzsche encaixa por aí).
Porém, a consideração desses sistemas de valores e de ideias de morte como força centrípeta consola os fracassos e as impossibilidades do indivíduo buscar o sentido da vida e sua realização pessoal. A mais crua realidade é que só podemos decidir nossa vida durante a vida. A transferência da decisão de sermos nós mesmos para o além-morte é um salto no abismo. O problema é que nem temos certeza nesta escuridão toda do abismo de que existem “abismo” e “escuridão”. No fundo pode ser uma inversão cruel toda narrativa de morte como força centrífuga.

4.    Considerações finais

     A morte é o objeto filosófico mais estranho. Pois todas as discussões que sejam realizadas são sempre sobre a vida em relação morte, ou seja, sobre a realidade em relação ao nada. Mas como a nossa cultura deposita um forte valor semântico para a morte como portal para outra vida, as reflexões se ampliam muito. Outra motivação de se filosofar sobre a morte é considerar a brevidade da vida assim como a iminência da morte como motivação para as nossas ações. É uma condição da qual não podemos fugir. É um tema que merece considerações mais sistematizadas. Esta apenas uma contribuição incipiente.

Referências

SAMOS, Epicuro de. Carta sobre a Felicidade. Tradução e apresentação de Álvaro Lorencini e de Enzo Del Carratore. São Paulo: UNESP, 2002.

HORÁCIO. Odes. Ode a Leucónoe. Livro I, 11.

 

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