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sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Quando os filósofos falam de felicidade

 

Neste dossiê que desenvolvemos com os alunos do 1º ano de Filosofia do Seminário Diocesano, procuramos reunir as propostas de vários filósofos sobre felicidade. O projeto de pesquisa integrou a proposta de iniciação científica dentro das aulas de Dissertação Filosófica no ano de 2022. Disponível em: https://www.academia.edu/91579403/Quando_os_fil%C3%B3sofos_falam_de_felicidade


 

domingo, 3 de abril de 2022

Mulheres na filosofia

 

HIPÁCIA DE ALEXANDRIA (375-415): UMA PENSADORA NEOPLATÔNICA

 

José Aristides da Silva Gamito[1]

1 Vida, pensamento e obras

 

Hipácia de Alexandria nasceu em 375 depois de Cristo, em Alexandria, no Egito. Era filha do matemático Teão. Oriunda de uma cultura que negava a oportunidade da educação para as mulheres, Hipácia recebeu uma formação sólida e se tornou uma intelectual bem sucedida. Ela nasceu numa fase de transição entre paganismo e cristianismo. Depois da liberdade religiosa conferida pelo Império Romano aos cristãos, o paganismo acabou perdendo espaço. Mais tarde, os pagãos passaram a ser perseguidos. Em Alexandria, grande centro cultural do Egito da época, as disputas por hegemonia na cultura e na política geraram grandes desentendimentos e enfrentamentos.

A época de Hipácia foi muito desafiante para os egípcios porque representa uma transição dos valores pagãos para os cristãos. No meio do crescimento do cristianismo, o Museum resistia como um reduto dos intelectuais pagãos. Teão, pai de Hipácia, foi exímio professor de matemática e astronomia nessa instituição. A filósofa provavelmente foi escolarizada pelo pai e acabou tendo acesso às aulas de outros mestres do Museum. Naquela época, estava em voga em Alexandria a escola neoplatônica (WAITHE, 1992, p. 170).

Hipácia estudou filosofia, matemática e astronomia. Tornou-se professora nessas ciências e chegou a dirigir a escola neoplatônica de Alexandria. Ela atingiu o feito raríssimo de ser uma professora remunerada pelo Estado, isto é, pelo Império. Isso se deveu à boa reputação que tinha entre os magistrados e com o prefeito da cidade, Orestes (MARTINO; BRUZZESE, 1996; SALISBURY, 2001). Apesar de ser uma professora famosa e requisitada até por estudantes de nações distantes, ela sofria a oposição dos cristãos alexandrinos por ser pagã. O bispo Cirilo estava travando uma ofensiva contra os pagãos da cidade e um grupo de monges nitrianos enraivecidos atacaram Hipácia, dilaceraram seu corpo e o queimaram. Ela morreu em 415 como vítima de intolerância religiosa. A perseguição que sofreu fazia parte desse contexto turbulento no qual cristãos e pagãos procuravam dominar a cultura e a política no Egito do século V (MARTINO; BRUZZESE, 1996; SALISBURY, 2001).

Hipácia escreveu três obras que são o Comentário sobre o Arithméticum de Diofanto, Comentário sobre a Sýntaxis Mathemática de Ptolomeu e o Comentário sobre as Seções Cônicas de Apolônio Pergeu. As obras foram perdidas, provavelmente, durante a destruição da biblioteca de Alexandria (WAITHE, 1992, p. 174). O pensamento filosófico de Hipácia pode ser reconstituído de modo indireto e hipotético visto que não chegou até nós nenhuma obra sua de assunto filosófico. Hipácia ensinou a filosofia de Platão, de Aristóteles e de Plotino. A informação que temos de que ela foi diretora da escola neoplatônica a filia diretamente na corrente do neoplatonismo (WAITHE, 1992, p. 193).

 

2 A reconstituição do pensamento filosófico de Hipácia

 

O ponto de partida é a recepção das doutrinas de Platão no Egito do século III. Plotino (205-270 d. C.) foi o fundador do neoplatonismo. Essa extensão do platonismo se desenvolveu no Egito e teve influência diretamente sobre Hipácia. Esse pensamento representa a fusão entre as ideias de Platão e as religiões pagãs existentes no Egito. O neoplatonismo busca elevar a visão de mundo dessas religiões. Segundo os neoplatônicos, Deus é único e sua natureza não pode ser expressa por meio de qualidades humanas. Ele é totalmente distinto do mundo. Assim ele é inatingível pelas criaturas imperfeitas. Essas procedem de Deus, mas são imperfeitas e inferiores (MONDIN, p. 126-127).

Plotino ensinava que o Uno (isto é, Deus) pode ser reconhecido imediatamente pelos seres humanos. O universo aponta para isso. Mas esse reconhecimento da existência do divino não torna o ser humano capaz de descrever Deus e de enumerar as suas características. No mínimo, podemos dizer o que Deus não é (essa abordagem chama-se teologia negativa). Tudo que se possa pensar sobre o Uno, ele é mais. Enfim, ele é indizível e inominado. Essa visão sobre o divino traz como consequência uma postura mística, de busca do divino sem a pretensão de descrevê-lo (MONDIN, p. 127-128).

A filosofia de Plotino considerava que todas as coisas procedem do Uno sem prejuízo para a sua integridade. Todas as coisas foram originadas dele. Isso significa que Plotino não acreditava em criação do mundo, mas em processão/emanação. A imagem utilizada para a explicação desse processo é o sol e seus raios. A multiplicidade de criaturas no universo procede do Uno sem alterar a sua existência como os raios provêm do sol sem diminuir sua luz. A processão acontece partindo das criaturas mais perfeitas para as imperfeitas. A criação é toda hierarquizada no pensamento de um neoplatônico. A matéria é a emanação derradeira do Uno e, portanto, é a mais imperfeita e, consequentemente, má. Por isso, ela é fonte de ignorância, sofrimento, envelhecimento, morte. Mas esteja atento para esse ponto. Ela não é um mal absoluto, apenas a negação do bem (MONDN, p. 129-130).

O homem é o ponto central da emanação. Ele reflete os dois extremos da existência: o espírito e a matéria. A alma é entendida por Plotino como distinta do corpo e preexistente a este. A união de corpo e de alma aconteceu por necessidade da existência. Em outras palavras, elas são os pontos de contato entre a realidade perfeita, superior e a imperfeita, inferior. Essa composição provoca no homem um conflito: a alma o eleva e o corpo o rebaixa. Ou seja, enquanto a alma o impulsiona para a realidade espiritual, o corpo quer levá-lo a usufruir da matéria. O dever do homem é reestabelecer a unidade das duas partes com o Uno. O retorno da alma é fruto da liberdade humana e do empenho de sua vontade. Por fim, o caminho para a união com o Uno passa pela ascese (exercícios das virtudes cardeais), a contemplação (através da filosofia) e o êxtase (união mística com o Uno). O resultado final da existência humana é o confundir-se da alma com o Uno (MONDN, p. 130-132).

Considerando os fundamentos teóricos do neoplatonismo, podemos dizer que Hipácia de Alexandria pensava a realidade de modo dualista; Deus era entendido no sentido da teologia negativa; o estudo da filosofia e a prática da virtude eram meios para aperfeiçoar o ser humano moralmente, misticamente. Todas essas ideias eram enriquecidas por uma visão matemática do universo. Esse é um caminho possível para redescobrir a filosofia de Hipácia. Outras leituras podem e devem ser feitas.

 

REFERÊNCIAS

 

MARTINO, Giulio de; BRUZZESE, Marina. Las filósofas. Traducción de Mónica Poole. Valencia: Universitat de València, 1996.

 

MONDIN, Batista. Curso de Filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 1981.

 

SALISBURY, Joyce. Encyclopedia of Women in the Ancient World. California: Abc-clio, 2001.

 

WAITHE, Mary Hellen. A History of Women Philosophers. 600 BC – 400 AD. Volume 1. Dordrecht: Springer, 1992.

 

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